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Buraco Negro legal e desarmonia social

  • Foto do escritor: Frederico Aburachid
    Frederico Aburachid
  • 24 de jan. de 2016
  • 3 min de leitura

O Estado de Direito foi concebido para afastar os abusos e desmandos dos Governos, a concentração desmedida de poder e arbitrariedades contra os cidadãos. Dotado de um sistema normativo, deve exteriorizar, nos regimes democráticos, a vontade do povo, como autores e destinatários dos comandos legais.

Contempla, pois, um modelo burocrático, que hoje há de ser razoável e proporcional, a definir o agir da Administração Pública, sem que relações de compadrios e perseguições, façam parte de um juízo de conveniência e oportunidade do agente público. Esse mesmo sistema legal há de disciplinar as inúmeras condutas que requerem a atenção do mundo jurídico, interferindo o mínimo necessário nas liberdades individuais para solucionar conflitos e aparar as arestas naturais aos interesses contrapostos.

Se a garantia da legalidade funciona bem na teoria, é preciso que, na prática, os autores diretos dos comandos legais sejam dotados do indispensável atributo da prudência, mantendo com os seus representados o diálogo do sábio, que mais sabe ouvir e menos falar. Impõe-se ao legislador ter ouvidos serenos para decodificar os signos que seus representados clamam por atenção.

Definido esse quadro, fosse a função normativa exclusivamente do Legislativo, por certo, o Estado Democrático de Direito seria ainda mais utópico no contexto atual. A concretização de garantias fundamentais é alvo de um “Estado gigante”, que não se limita a prestar serviços públicos essenciais (segurança, educação etc), mas também desempenha ampla atividade regulatória sobre condutas individuais, atividades econômicas e sobre a própria administração pública.

O princípio da legalidade, previsto na CR/88, art. 5o, inc. II, deve ser interpretado como uma garantia de normatividade, como já se posicionou o Supremo Tribunal Federal (v. HC 85.060, Relator Min. Eros Grau, DJE 13-2-2009). Apenas quando a Constituição impõe a reserva absoluta de lei, tal como ocorre em relação aos tipos penais e ao Direito Tributário, por exemplo, haverá a obrigatoriedade de leis decorrentes do processo legislativo formal.

Nesse sentido, a lacuna no sistema legal acerca de temas polêmicos é de atração inevitável. Uma vez identificado o vazio normativo, o ideal de completude do sistema jurídico é colocado em xeque. A questão torna-se ainda mais grave quando outras entidades, não dotadas de representatividade política, passam a normatizar matérias afetas a própria vida, tal como ocorre em Resoluções dos Conselhos de Medicina referentes, por exemplo, a temas como útero de substituição (barriga solidária), depósitos de embriões etc. Da mesma forma, não se pode ignorar as inúmeras resoluções dos Conselhos Estaduais e municipais de meio ambiente, dentre outros. 

Em outros casos, o próprio legislador “delega” impropriamente parcela de sua função, como aparentemente o fez na Lei Complementar nº 78/1993, tendo sido causa de imbróglio nas eleições a Resolução nº 23.389/2013, do TSE, que alterou o número de membros da Câmara dos Deputados.

Pedimos licença, um tanto quanto poética, para comparar esse vazio normativo, deixado pelo legislador, ao teórico buraco negro da Física, aquele complexo de supermassa incapaz de refletir a luz, cuja presença é detectada apenas pela interação com outras matérias pela força de atração.

A lacuna decorrente da omissão do legislador, ao invés de afastar conflitos, muitas vezes os atrai como se o fizesse por força gravitacional. Não reflete a luz, pois desgasta politicamente as instituições e realça discussões entre os cidadãos. O Judiciário acaba, por sua vez, suprindo a omissão do legislador ordinário através de decisões em casos concretos.

As polêmicas Resoluções dos Conselhos de Medicina, as limitações às manifestações populares, às discussões acerca da força normativa dos atos dos Conselhos de Meio Ambiente etc, são típicos exemplos de espaços vazios deixados pelo legislador e causas de inúmeros conflitos. Enquanto os legisladores não suprirem satisfatoriamente aludidos espaços, a sociedade e o Poder Público serão naturalmente atraídos ao prefalado buraco negro legal, causando insegurança jurídica e desarmonia social.

Aburachid, Frederico José Gervasio. Buraco Negro Legal e desarmonia social. Jornal Estado de Minas, Belo Horizonte, 2014.

Nota:  A versão original deste artigo foi publicada pelo Jornal Estado de Minas, Primeiro Caderno, em 05/07/2014. 

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